A TRAJETÓRIA DOS CEIERs- CENTROS ESTADUAIS INTEGRADOS DE EDUCAÇÃO RURAL DO ESPÍRITO SANTO: MOVIMENTOS HISTÓRICOS DE UMA POLÍTICA COMPENSATÓRIA DO GOVERNO MILITAR À PRÁTICA DA AGRICULTURA FAMILIAR

João Batista Pereira Alves[1]

joaoppfh@gmail.com

Este artigo tem como objetivo demarcar os movimentos históricos dos CEIERs. Trata-se de um recorte da pesquisa de Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana que está em curso, tendo o CEIER como objeto deste estudo.  Apresentamos em linhas gerais a implantação dos três CEIER no Espírito Santo no bojo das políticas compensatórias do governo militar em 1982 bem como o seu percurso histórico constituindo em escolas do campo pautada na formação técnica para a Agricultura Familiar. No estudo em andamento, utilizamos fontes primárias e oficiais, apoiando-se no Projeto Político Pedagógico destas instituições, nos Planos de Cursos e entrevistas realizadas com egressos, alunos e professores.

Palavras-chaves: Educação do Campo; PRONASEC; CEIER

Introdução

Os Centros Estaduais Integrados de Educação Rural foram criados em 1982 em Boa Esperança e em 1983 em Vila Pavão e Águia Branca. A criação desses centros surge por meio de um programa do governo Federal denominado PRONASEC/ RURAL – Programa Nacional de Ações Socioeducativas para o Meio Rural, financiado pelo Ministério da Educação, destinados ao atendimento de populações carentes do meio rural. Este programa de caráter compensatório explicitava o objetivo do governo em reduzir o êxodo rural.

Em um documento oficial do Ministério da Educação intitulado “Desenvolvimento da Política Educacional e Cultural”, ressalta que:

O III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (III PSECD), consagrou um Programa Nacional de Ações Socioeducativas para o Meio Rural (PRONASEC/RURAL). Para 1980, estabeleceu-se sua implementação na Região Nordeste, mediante ações próprias desenvolvidas na base de três binômios de atuação simultânea e indissociável, ou seja, três "Direções Setoriais": Educação-Integração, Educação-Produção e Educação-Cultura. Já a programação para 1981 prevê a participação direta das Secretarias de Educação dos Estados, não só na intensificação de esforços conjuntos em relação à região nordestina como na extensão das ações aos Estados da Região Norte, da Região Centro-Oeste, com inclusão do Distrito Federal, e, ainda, ao Estado do Espírito Santo, nas áreas alcançadas pelo Polígono das Secas. (BRASIL, 1980, p.18) p. 18

Tanto o PRONASEC, quanto ao PRODASEC (destinado às periferias urbanas), além do caráter de clientelismo político, eles foram concebidos na linha “educação –produção” conforme explicita o documento citado. Germano (1990) destaca, também, que:

[...] o PRONASEC/Rural e o PRODASEC/Urbano assumem claramente uma postura compensatória às insuficiências do processo de acumulação, visando reduzir os índices de pobreza mediante a ação corretiva de programas governamentais, voltados para a educação informal, geração de emprego e renda, adotando, como metodologia de trabalho, a participação comunitária. (GERMANO, 1990, p. 378-379).

Sob a égide de um governo militar, estes programas (PRONASEC e PRODASEC) foram elaborados em um contexto histórico que marca o início da abertura política. E, a implantação desses três CEIERs no Espírito Santo conjuga-se num cenário político e econômico “diante das ameaças econômicas, da monocultura do café, da expansão dos latifundiários e da ‘Revolução Verde no ES”  (JESUS, 2012, p.42). Mesmo diante do silenciamento produzido pelo golpe civil militar, os movimentos sociais do noroeste capixaba incluem em suas bandeiras de lutas a oferta da educação rural. Assim, essa ideia “nasce já diante do propósito, dos movimentos sociais, de romper com o paradigma do pensamento da educação urbano-cêntrica, hegemônico vigente na sociedade brasileira” (JESUS,2012, p.42).

Durante 34 anos da História dos CEIERs vislumbram-se alguns resultados de práxis pedagógica voltada para o homem do campo. Desde a implantação do primeiro, no município de Boa Esperança em 1982, as atividades agroecológicas já sinalizavam a busca de uma educação emancipatória, Hoje, numa perspectiva de conquistas da Educação do Campo, não há dúvidas de que os CEIERs propõem uma educação diferenciada para os filhos dos agricultores, rompendo com as desigualdades educacionais, historicamente construída no ambiente das comunidades camponesas. É importante destacar que no Projeto Político destes centros, há dois instrumentos de práticas pedagógicas as Unidades de Demonstração, Experimento e Produção -UDEPs e os Temas Geradores - TGs, que são importantes para a prática interdisciplinar dessas instituições.

O Projeto Político Pedagógico do CEIER destaca que as UDEPs são áreas onde os estudantes e os professores se integram na busca de alternativas viáveis à agricultura familiar, operando a interdisciplinaridade desenvolvida através de Temas Geradores Trimestrais. Na prática, a propriedade agrícola é dividida em áreas disponibilizadas que são os laboratórios para as disciplinas do currículo escolar, tanto as da Base Nacional Comum quanto às Técnicas, para a execução da prática técnica-pedagógica.

A inserção dos Temas Geradores no Projeto Político Pedagógico do CEIER trata-se de uma proposta fundamentada na teoria dialética do conhecimento, descrita por Freire (1987). Segundo o autor, os temas geradores, independentemente de sua natureza, contêm em si a possibilidade de desdobramento em outros temas, proporcionado a aquisição de novos conhecimentos, como um desafio tanto no nível intelectual quanto no da ação, ou seja: “práxis que sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora da realidade é fonte de conhecimento reflexivo e criação” (FREIRE, 1987 p.92).

Os Temas Geradores e as UDEPs presentes no cotidiano dos CEIERs configuram situações concretas de interdisciplinaridade variando de acordo com a singularidade de cada centro, pois a “interdisciplinaridade não é um fenômeno homogêneo, linear e uniforme” (Paviani, 2014, p.49). Ainda segundo o autor:

A interdisciplinaridade é condição básica para uma formação profissional flexível e adequada para o exercício de novas profissões, especialmente nos dias de hoje. Uma área tende a se constituir a partir de certa autonomia teórica. A atuação profissional, dentro de padrões elevados de formação científica, depende da elaboração de métodos adequados de intervenção e da busca e articulação de conhecimentos em mais de uma área teórica ... Por isso a formação profissional pressupõe ação interdisciplinar, primeiro, na aquisição de conhecimentos, isto é, na sua formação científica e intelectual e, depois, na aplicação de conhecimentos na solução de problemas ligados à profissão (PAVIANI, 2014 P. 59).

A questão da interdisciplinaridade como condição básica para a formação profissional, trazida por Paviani (2014) ganha importância na consolidação de um Projeto Político Pedagógico que potencializa a Educação Profissional Técnica integrada ao Ensino Médio nos CEIERs como ação emancipatória e como possibilidade de reinventar o ensino médio das nossas escolas. Além disso, traz para o interior da escola a possibilidade de diálogo entre o ensino propedêutico e o ensino técnico, que historicamente tem-se constituído numa dualidade estrutural.

A metodologia dos temas geradores na concepção de Freire (1987) é o ponto de partida para que as diversas áreas do saber se relacionem interdisciplinarmente, ressignificando o processo de construção do conhecimento por meio de descobertas, constituindo assim, tanto no nível intelectual quanto ao nível de ação, um desafio à práxis. Na concepção freireana, para que o Tema Gerador venha promover uma ação-reflexão-ação, torna-se necessária a inserção de conteúdos sociais para possibilitar uma leitura crítica da realidade, considerando “uma visão de totalidade e abrangência dessa realidade e a ruptura do conhecimento no nível do senso comum” (ANTUNES, 2005, p.8-9).

Nessa perspectiva, e tomando como pressuposto a formação omnilateral na concepção de Educação Profissional Técnica integrada ao Ensino Médio, o Tema Gerador se configura como um elemento estrutural, organizacional e de natureza epistemológica e ético-política. Também, ao considerarmos a conexão entre ciência, cultura e trabalho, proposta no currículo dos cursos técnicos integrados, o Tema Gerador torna-se uma estratégia, que evidencia a interdisciplinaridade, como expressaram alguns alunos entrevistados:

É difícil destacar todas as situações onde ocorreram a interdisciplinaridade, até porque muitas atividades que são deste cunho passam muitas vezes despercebidas, mas posso mencionar o nosso Tema Gerador onde várias atividades são realizadas durante o trimestre, com viagens de Estudos, palestras e outros trabalhos. E, no encerramento de cada trimestre com a apresentação de todos os trabalhos do Tema Gerador envolve todos os professores. (Aluno do CEIER de Águia Branca).

Como se vê, são diversas as situações apontadas pelos alunos em que demonstraram a vinculação da interdisciplinaridade ao Tema Gerador. Nesse sentido, essa vinculação também é resultado de uma conexão entre teoria e prática- algo desejável e necessário em se tratando de Educação Profissional- pois, “será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política” (FREIRE, 1987, p.86).

Considerações Finais

Nas primeiras constatações desta pesquisa em curso, podemos afirmar que os três CEIERs em suas práticas cotidianas, fazem da Agroecologia suas bandeiras de lutas e instrumento de transformação da realidade. Além disso, estes centros expressam nas mais diversas atividades agroecológicas e práxis pedagógicas desenvolvidas uma identificação com o homem do campo.

Também é notório, na trajetória destas escolas as fragilidades no percurso, tanto nos aspectos de investimentos do poder público em equipamentos quanto na valorização dos profissionais da educação.  Descobrimos também que, para além das resistências, dos conflitos, das contradições, sobrevivem, nas escolas ideais, lutas e ações que revelaram alternativas, sonhos e esperanças.

Reiterando mais uma vez que a intenção, deste trabalho, é contribuir para o debate acerca da Educação do Campo, tendo como referência os CEIERs, esperando que as reflexões contidas, neste texto, possam enriquecer as discussões, para elucidar, ainda mais, as áreas obscuras e tensas deste debate eminentemente político. É importante pensar em uma política de Educação do Campo que se contraponha às reformas neoliberais e que busque alternativas práticas e possíveis, pautadas na diminuição das desigualdades sociais e regionais e no desenvolvimento científico e tecnológico, abrindo caminho para a construção da cidadania, como condição necessária para se fazer a “travessia” para uma nova realidade.

Referências

ANTUNES, Ângela. Temas Geradores. In: Cadernos de Formação. Acesso em: julho de 2014. pp. 82-88.

BRASIL. Desenvolvimento da política educacional e cultural. Departamento de Documentação e Divulgação. Brasília, D.F. 1980

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GERMANO, José Wellington. Estado militar e educação no Brasil: 1964/85. Um estudo sobre a política educacional. Tese de Doutorado. UNICAMP, Campinas/SP. 1990.

JESUS, José Pacheco. A práxis pedagógica no Centro Estadual Integrado de Educação Rural: um estudo em Educação do Campo e Agricultura Familiar em Vila Pavão/ES. Dissertação de Mestrado. UFES, Vitória/ES. 2012.

PAVIANI, Jayme. Interdisciplinaridade: conceitos e distinções. Caxias do Sul: EDUCS, 2014

[1] Mestre em Educação pela UFF. Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ.