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LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO - UFES: UMA TRAJETÓRIA DE LUTAS E REIVINDICAÇÕES SOCIAIS
Renata Duarte Simões, Charlini da Rocha Leonarde

Última alteração: 2017-02-09

Resumo


O estudo buscou identificar, a partir da trajetória histórica da educação do/no campo, no Espírito Santo, aspectos que contribuíram para a constituição do curso de Licenciatura em Educação do Campo na UFES, direcionando olhares para a trajetória histórica de lutas e reivindicações dos movimentos sociais no Estado. Como metodologia, optou-se pela realização de uma pesquisa histórica, com a realização de entrevistas com dois professores que participaram da criação do Curso de Licenciatura em Educação do Campo - Campus Goiabeiras/ES. Como resultado, identificaram-se as várias experiências desenvolvidas pela universidade, buscando atender e formar professores mais qualificados para o trabalho nas escolas do campo. Também observou que a Licenciatura não é um curso pronto e dado, está em processo de construção, possibilitando novas formas e novos caminhos a serem descobertos. Assim, contribui no fomento de uma educação pública de qualidade para os sujeitos campesinos, potencializando a formação humana dos educadores do campo.
Palavras chave: Educação do Campo; Formação de professores; História da Educação do Campo.

INTRODUÇÃO
O curso de Licenciatura de Educação do Campo da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), ofertado a partir de 2014, surgiu como parte de uma Política Nacional de Educação do Campo e é o resultado de um esforço conjunto do Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Superior (SESU), Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e dos Movimentos Sociais.
Compreende-se que o povo residente na área rural tem o direito à educação e uma educação que seja no/do/para o campo. Desse modo, a Licenciatura em Educação do Campo/UFES, que tem como proposta “contribuir para a concretização de uma política de educação do campo como direito humano e como instrumento de desenvolvimento social”, objetiva formar educadores habilitados para atuarem na gestão de processos educativos nas escolas do campo e a desenvolver ações pedagógicas que visem à formação de sujeitos numa perspectiva emancipatória e crítica, capazes de produzir soluções para questões inerentes à sua realidade (PPCLEC/UFES, 2013).
Considerando a importância de formar professores aptos a trabalharem no campo, cabe questionar: quais aspectos contribuíram para a constituição do curso de Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e como essa configuração reverbera na formação de professores das escolas do campo?
O objetivo geral deste estudo é compreender como que se configurou, historicamente, o curso de Licenciatura em Educação do Campo/ UFES, identificando e analisando como é pensada, no âmbito desse curso, e a partir de sua perspectiva política e pedagógica, a formação de professores para atuarem em escolas do campo no Espírito Santo.
Em relação à metodologia, optamos por empregar a pesquisa histórica de cunho qualitativo. Segundo Bloch (2002), a pesquisa histórica busca entender o passado através do presente, assim, ao construir uma pesquisa história o pesquisador deve observar os relatos através da percepção de outros sujeitos.
Nesse sentido, optamos por realizar entrevistas abertas. Os entrevistados são professores/profissionais que participaram da criação do curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFES, polo Goiabeiras. O propósito foi obter informações a partir dos respondentes, captar descrições das situações e elucidar detalhes do evento acontecido por meio da escuta das narrativas. O Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso e a entrevista realizada com dois participantes da criação do curso nos ajudam a pensar aspectos históricos, sociais e políticos que permeiam este campo de estudo e necessários para compreender o cenário de criação do curso em questão.

DESENVOLVIMENTO
Ao adentrarmos a questão da formação docente no campo, observamos que foi a partir da criação dos cursos de Pedagogia da Terra que discussões sobre o assunto começaram a florescer. Assim, o curso de Pedagogia da Terra atua criando um novo modelo de escola que considera as especificidades do sujeito e do ambiente em que ele vive. Esse é o ponto de partida para criar metodologias que contemplem uma educação própria e estratégias que consideram o saber acumulado que darão o suporte necessário aos constantes enfrentamentos aos quais as pessoas estão expostas. Também contribui na proposição de uma nova forma de organização social centrada no ser humano.
O reconhecimento de uma metodologia instituída pelo movimento social (Pedagogia da Terra) se deu por meio da criação do primeiro curso de licenciatura plena conquistada pelo MST na UFES, e, a partir disso, novas demandas foram surgindo, resultantes da relação que se estabeleceu entre a universidade e o movimento. Essa é a justificativa para a criação de uma Licenciatura em Educação do Campo, ou seja, você consegue a um só tempo, ter a formalidade exigida para lecionar em uma escola no campo com o conhecimento acumulado por ser daquele lugar, reduzindo as possibilidades de ter docentes que não entendem aquela forma de pensar (JESUS, 2014).
Segundo os entrevistados para esta pesquisa, no caso do Espírito Santo, a partir da proposta de criação do curso, formou-se uma equipe de professores para, junto aos movimentos sociais, pensarem sobre o projeto. Foram realizadas várias discussões para a criação desse curso de modo que viesse a atender os anseios da população campesina no Estado. Essa movimentação não estava ocorrendo apenas no Estado. Era algo de caráter nacional.
No Espírito Santo, cabem dois destaques acerca da questão e conforme explicitado pelo PPP da Licenciatura em Educação do Campo. O primeiro, diz respeito ao uso da Pedagogia da Alternância como referência de metodologia a ser assumida pela proposta dessa Licenciatura. O Estado foi pioneiro no uso dessa metodologia no país (1969) pelo Movimento Promocional do Espírito Santo (MEPES), no município de Anchieta, conforme Parecer CEB/CNE nº. 1/2006. O segundo, diz respeito às primeiras experiências do Curso, anteriormente denominado PRONERA Pedagogia da Terra, ofertado pelo Centro de Educação (CE), com duas turmas concluídas (2003 e 2006) (cf. PPP/UFES, 2013, p.4).
A licenciatura em Educação do Campo destaca-se por ser uma licenciatura diferente das licenciaturas tradicionais em funcionamento na UFES, buscando o envolvimento conjunto entre a teoria e prática. Assim, ela é configurada por áreas de conhecimento, e não por disciplinas, sendo ainda uma das experiências pioneiras em alternância no ensino superior. O Projeto da licenciatura em Educação do Campo, proposto pelo MEC, prevê habilitar professores para a docência multidisciplinar num currículo organizado em quatro áreas do conhecimento: Linguagens (expressão oral e escrita em Língua Portuguesa, Artes, Literatura e Educação Física); Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; Ciências Agrárias (PPPLEC/UFES, 2013, p. 9).
A “Pedagogia da Alternância” compõe o Projeto Político Pedagógico do Curso e é pensada como forma de organização do ensino escolar que articula as distintas experiências formativas apropriadas em diferentes tempos e espaços, tendo como finalidade a formação profissional. Uma das características específicas desta pedagogia é a compreensão de que tanto os momentos em que os estudantes estão na escola quanto os momentos em que eles estão em suas comunidades são formativos (PPCLEC/UFES, 2013).
Considera-se que é na vinculação do conhecimento escolar com a ambiência familiar que os alunos refletem sobre seu meio e elaboram marcos de referências identitárias, possibilitando-lhes a manutenção do contato com as múltiplas dimensões dessa realidade e os auxiliando na formação de uma identidade cultural coletiva que ultrapassa barreiras geográficas de seus espaços de pertencimentos (CALIARI, 2012, p. 39).
Apesar dos grandes desafios a serem superados na educação do campo, no Espírito Santo, a prática da pedagogia da alternância vem ganhando espaço, o que demanda a formação de professores aptos a trabalharem com esse sistema de ensino. Os desafios por uma educação de qualidade no campo estão sendo debatidos e a Universidade Federal do Espírito Santo tem se tornado uma instância potencializadora para o surgimento de cursos que viabilizam parcerias entre Estado, comunidade rural e movimentos rurais. Essa forma de organização permite que o aluno não perca as referências do lugar em que vive, permitindo que ele participe dos desafios que ainda permeiam uma melhor compreensão da necessidade de se ter educadores, no campo, comprometidos com outra forma de educar.
Contudo, essa estrutura proposta para a Licenciatura, segundo o que apontam os entrevistados, não é fechada, pelo contrário, deve estar em construção permanente, inacabada, cujos resultados vão surgindo na medida em a proposta vira realidade, que pode ser revista, porque os construtores da proposta também vão se renovando. Nesse sentido, pensar a formação do educador do campo é compreender o Curso como um facilitador na construção humana dos educadores do campo, que se dá na relação do aluno com curso e com a realidade em que ele está inserido.

CONCLUSÕES
Concluímos que a Licenciatura em Educação do Campo/UFES contribui para pensar um novo modelo de sociedade usando, como premissa, a importância dos povos campesinos como protagonistas de sua educação, professores com formação crítica para atuação em escolas do campo.
Destacamos que, apesar do curso de Licenciatura em Educação do Campo na universidade ser uma conquistar recente, ela se constrói diariamente, não é um curso pronto e dado, é um curso em processo de construção, que possibilita a descoberta de novos caminhos para a formação docente. Conforme dito por Molina e Sá (2010, p.43) [...] “o desafio pedagógico desta proposta é de criar um projeto educativo integral, coerente, que produza valores, convicções, visão de mundo, consciência organizativa, capacidade de ação, sentido pleno de ser humano”.

REFERÊNCIAS
BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2002.
CALIARI, R. A prática pedagógica da formação em alternância. In: MERLER, Alberto; Foerste, Erineu; PAIXÃO, Laura Maria Bassani Muri; CALIARI, Rogério (Orgs.). Diálogos interculturais em terras capixabas. Vitória: EDUFES, 2012.
JESUS, Janine Gerke de. Sentidos da formação docente para a profissionali-zação - na Voz do Professor do Campo. 2014. 365 f. Dissertação (mestrado) Vitória: UFES. 2014.
MOLINA, Mônica Castagna; SÁ, Laís Maria Borges de Mourão. Desafios e perspectivas na formação de educadores: reflexões a partir da Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília. In: SOARES, Leôncio et al. (Orgs.). Convergências e Tensões no Campo da Formação e do Trabalho Docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO (UFES). Projeto político pedagógico do curso de licenciatura plena em educação do campo. Vitória: UFES, 2013.