Última alteração: 2017-03-17
Resumo
CONCEPÇÕES DE PROFESSORES GRADUADOS EM ÁREAS AFINS SOBRE OS PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA
Alexandre Krüger Zocolotti
Saddo Ag Almouloud
Pesquisar concepções de professores de Matemática não é algo recente: segundo Guimarães (2010), desde a década de 1980 elas são pesquisadas. Entretanto, os trabalhos sobre concepções, quase sempre, analisam professores em formação ou professores em exercício. Escassos são os trabalhos que pesquisam concepções de professores de Matemática levando em conta o curso que frequentou durante a sua formação inicial (a primeira graduação).
A última afirmação – levando em conta a sua formação inicial – num primeiro momento, parece estar errada; pode-se pensar: ora, se a pessoa é professor de Matemática, logo a sua formação inicial é a Licenciatura em Matemática.
Porém, a conclusão não está correta. De acordo com a Lei nº 9.294/96 – Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional – temos dois caminhos que podem ser percorridos por aqueles que pretendem tornarem-se professores de Matemática: ou frequentar um curso de Licenciatura em Matemática ou frequentar um outro curso superior (em uma área afim à Matemática) e, após a sua conclusão, frequentar um programa de complementação pedagógica.
A nosso ver, essas duas formações distintas e que se destinam a um mesmo fim, merecem um estudo mais aprofundado. Por um lado, sabemos que a formação de um professor é complexo e que a Licenciatura é um curso em constante discussão . Mas, o que sabemos desse outro modelo formativo? Quais estudos estão sendo desenvolvidos a esse respeito?
O relato que passamos a fazer é parte integrante da pesquisa de Doutorado do primeiro autor e que teve como orientador o segundo autor. O trabalho foi concluído em Novembro de 2015 e está vinculado ao Programa de Estudos de Pós Graduação da área de Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A pergunta que norteou a pesquisa foi: Que concepções sobre os processos de ensino e de aprendizagem da Matemática têm professores de Matemática cuja formação inicial seja um curso em uma área afim à Matemática e que fizeram Complementação Pedagógica? Procurando responder ao problema proposto, definimos que o objetivo principal seria Identificar concepções sobre os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática de professores de Matemática cuja formação inicial seja um curso em uma área afim à Matemática e que fizeram Complementação Pedagógica.
A ideia de estudarmos as concepções de um professor deve-se à importância que essas assumem no cotidiano da sala de aula. Ao atuar, o docente as utiliza como elemento balizadores de sua rotina. A pioneira no estudo de concepções é Thompson (1997) que as entende construídas de visões, crenças, e preferências, conscientemente sustentadas.
Autores como Ponte (1992), Guimarães (2010) e Thompson (1982) entendem que as concepções também auxiliam o professor em duas circunstâncias distintas: “adaptação à situação” e “mediadores entre a situação e o professor”. Vale ressaltar que os processos de formação das concepções não estão restritos aos momentos de formação docente: enquanto alunos, cada um de nós forma concepções sobre os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática. Acreditamos que essas concepções, formadas a partir das experiências como discentes, servem de elemento de apoio para o professor iniciante, sendo, a nosso ver, muito mais influentes do que aquelas que por ventura foram formadas nos cursos de formação inicial (Licenciaturas).
Por outro lado, a atuação docente traz, por consequência, a formação de um saber específico, que autores como Shulman (1986) e de Tardif (2002) chamam de saber da experiência. Pensamos que esse saber influenciará as preferências conscientemente sustentadas defendidas por Thompson (1997). Assim, defendemos a existência de uma interação entre as concepções e os saberes da experiência, como indicado na figura 1.
Figura 1: Relação entre concepção e saber da experiência
Fonte: acervo do autor
Já que as concepções são influenciadas (ou formadas) no processo de formação inicial do professor, fizemos uma breve análise do “modelo legal” de formação. Naturalmente, vemos a Licenciatura como o curso responsável pelos processos formativos de professores de Matemática. Entretanto, profissionais de “área afins” também podem se tornar professores de Matemática, desde que frequentem “programas especiais de formação pedagógica estabelecidos por esta Resolução” (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1997).
Enquanto a Licenciatura em Matemática discute, a pelo menos duas décadas, um caminho daquele conhecido como “Modelo 3 + 1 (3 anos de bacharelado e 1 ano de Licenciatura)” , a (ainda) vigente resolução sugere que um graduado em uma área afim já possui conhecimento matemático suficiente para atuar como docente, lhe faltando apenas a preparação pedagógica.
Discordamos desse posicionamento e, para buscarmos elementos que pudessem comprovar nossa hipótese, fizemos um estudo de caso com quatro professores, graduados em áreas afins e portadores de cursos de complementação pedagógica:
i) Professora Marcela: graduada em Economia, na época da pesquisa atuava nas redes Municipais das cidades de Vila Velha e Serra – ambas localizadas no Estado do Espírito Santo – com turmas do Ensino Fundamental II;
ii) Professora Luísa: graduada em Economia, na época da pesquisa atuava nas redes Municipais das cidades de Vila Velha e Serra – ambas localizadas no Estado do Espírito Santo – com turmas do Ensino Fundamental II;
iii) Professor Caio: graduado em Engenharia Mecânica, na época da pesquisa atuava em turmas do Ensino Médio de uma escola da Rede Privada da cidade de Vitória - Estado do Espírito Santo – e com turmas de Engenharia em uma Instituição de Ensino Superior na cidade de Serra;
iv) Professor Roberto: graduado em Engenharia Mecânica, na época da pesquisa atuava em turmas do Ensino Médio e Pré-Vestibular de uma escola da Rede Privada da cidade de Vitória - Estado do Espírito Santo;
Para a coleta de dados, usamos entrevistas semiestruturadas e observações da prática de cada um dos professores participantes. O uso desses dois elementos, como sugere Guimarães (2010), não tiveram, em nenhum momento, a intenção de buscar contradições entre a prática e o discurso: o mesmo autor afirma que, em um estudo sobre concepções, esses dois elementos se complementam, permitindo que o pesquisador colete dados que o auxilie na compreensão das concepções do pesquisado. Pela limitação do texto, optamos por apresentar apenas a análise de dados da professora Marcela.
Essa professora nos afirmou, em uma de suas entrevistas, que:
- Me frustra, às vezes, não conseguir fazer um exercício; eu acho que tenho que conseguir ir à frente.
– Ele (aluno) resolveu algum problema de uma maneira que nem eu consegui resolver. Eu tiro cópia da resolução deles. Ele foi por um caminho que nem eu percebi aquele caminho.
Pareceu-nos que a professora entende que um professor de Matemática deve saber Matemática e, mais que isso, deve saber todos os diferentes modos de resolver uma questão, sob pena de não ser considerado “um bom professor”.
Durante a mesma entrevista, revelou que percebe que sua formação Matemática foi precária e que alguns alunos possuem habilidades em relação à Matemática que ela, mesmo como docente, não possui. Entretanto, não se mostra motivada a desenvolver-se nesse sentido: eu, se pudesse mesmo, se eu tivesse tempo, eu gostaria de fazer uma formação mais forte em Matemática; até tenho tempo, mas tenho alguns impedimentos pessoais.
Quando questionamos sobre a sua atuação como docente, sua resposta foi um , crítica aos autores de livros didáticos que, segundo ela, não oferecem “novidades” para serem aplicadas na sala de aula: quando você vai numa palestra, por exemplo, você acha que o palestrante vai trazer a solução para a gente. Vai trazer filmes para que a gente possa trabalhar, vai trazer filmes na área de Matemática, alguns filmes legais, você vai nessa expectativa. Chega lá, ele vai te dar uma folha, com um problema para você resolver até o final. Ou seja: ela não se vê como alguém capaz de criar novos métodos de ensino ou de trabalhar de modo diferente daquele que trabalha hoje; assim, se outras alternativas de trabalho não lhe são oferecidas, ela também não as criará.
A partir de suas entrevistas, pensamos que a professora Marcela poderia investir em seu desenvolvimento profissional, ampliando seus conhecimentos, quer seja sobre a Matemática, quer seja sobre os demais saberes que um docente necessita para atuar.
No que se refere à prática, percebemos uma postura conservadora: cabe ao professor ensinar e, ao aluno, aprender. Pareceu-nos que a professora entendia o processo de ensino e aprendizagem dividido em dois polos distintos, um de competência exclusiva do professor e outro de competência exclusiva do aluno.
O livro didático mostrou-se com o elemento central da aula: normalmente, os exemplos que utilizava para introduzir – ou revisar – um assunto estavam no livro (resolvido, inclusive). De certa maneira, isso nos pareceu estar ligado à sua consciência sobre o seu conhecimento Matemático: temendo criar uma situação errônea ou que poderia lhe causar constrangimentos, optava sempre pelo livro, por entender que o que ele continha estaria correto.
Frequentemente, justificava o aprendizado de um determinado assunto ligando-o a algum, conteúdo futuro. Por exemplo, justificou o aprendizado da potenciação com a resolução da equação do 2º grau, pois, segundo ela (se dirigindo aos alunos), quando vocês chegarem ao nono ano, irão aprender a Fórmula de Báskara. E, para fazê-la, vocês devem saber potenciação. Percebemos que sua prática esteve sempre centrada no conteúdo.
Uma atividade proposta pela professora para potenciação nos impressionou bastante: a professora pediu que os alunos fizessem os quadrados de todos os números naturais positivos menores ou iguais a 100 (os alunos deveriam apresentar os cálculos de todas as operações realizadas). Sua justificativa: prepará-los para a operação de radiciação e para outras aplicações futuras, como o Teorema de Pitágoras ou a resolução de equações de segundo grau.
De nossa parte, gostaríamos de fazer alguns questionamentos sobre essa atividade, em particular: não seria possível realizar tal atividade de outra maneira? Ainda que a professora quisesse investir em um trabalho envolvendo a habilidade de efetuar cálculos, não seria a quantidade de exercícios exagerada? Não seria possível utilizar a calculadora como elemento de verificação? Entretanto, optamos por não fazê-los por acreditarmos que nossa proposta estava limitada à observação, não incluindo interferências em seu trabalho.
De modo geral, ficamos com a impressão que a professora não se desenvolveu do ponto de vista matemático e nem vivenciou situações que a possibilitasse desenvolver seus saberes pedagógicos do conteúdo (Shulman, 1986). E ainda: pelas dificuldades que apresentava em relação à Matemática, pensamos que sua opção pela valorização do saber relacionado ao conteúdo matemático, elemento central de suas aulas, deve estar relacionado aos impactos que essas dificuldades causam sobre a sua prática.
A valorização de atividades envolvendo a realização de operações, a utilização do livro como único recurso didático, a polarização do processo de ensino e aprendizagem e sua pouca preocupação com a sua própria formação nos forneceram indícios que julgamos serem suficientes para que associássemos a professora Marcela à uma concepção mecanicista e que desenvolve nos alunos, de acordo com Ponte (1992), apenas as habilidades representadas por processos de memorização e execução – e as intermediárias – processos mais complexos, mas que não demandam uso de criatividade.
Como conclusão de nossa pesquisa (levando em conta os demais professores), percebemos que é necessário discutir os cursos de Complementação Pedagógica. Se as licenciaturas ainda não formam o contingente de professores necessário para atender as demandas do país, acreditamos que os cursos de Complementação Pedagógica devem ser mantidos. Entretanto, cremo que esses cursos devem ser repensados. aproximando os dois modelos de formação vigentes no País.
Uma dificuldade que encontramos em nossa pesquisa foi a falta de informações sobre profissionais com essa formação (Graduado em área afim mais Complementação Pedagógica). Essa falta de informação nos impediu de expressar o número de profissionais que possuem essa formação e qual a sua representação no universo de professores de Matemática em cada uma das redes em que os professores pesquisados estavam inseridos.
Pretendemos, em breve, realizar uma pesquisa que traga esses números, sinalizando o grau de importância que os cursos de complementação pedagógica possuem no cenário de formação de professores no Brasil. A divulgação desses dados pode ser um elemento útil a ser levado em consideração em discussões futuras.
Referências Bibliográficas
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CP nº 2, de 26 de junho de 1997, que dispõe sobre os Programas Especiais de Formação Pedagógica de Docente para as disciplinas do currículo do Ensino Fundamental e Ensino Médio e da educação profissional do Ensino Fundamental. Brasília: 1997. Disponível em http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/RCNE_CEB02_97.pdf. Acesso em 5 de outubro de 2015.
GUIMARÃES, H. M. Concepções, crenças e conhecimentos – afinidades e distinções essenciais. Quadrante, Lisboa, v. XIX, n. 2, p. 81 – 102, 2010.
TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. 12ª Ed, Petrópolis: Vozes, 2011
SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching. EUA: Educational Research, 1986. v. 15(2) p. 4 – 14.
THOMPSON, A. G. Teachers’ conceptions of mathematics and mathematics teaching: three cases studies. Unpublished doctoral dissertation, Universidade da Geórgia, 1982.
THOMPSON, A. G. A Relação Entre Concepções de Matemática e de Ensino de Matemática de Professores na Prática Pedagógica. Zetetiké, Campinas, Vol. 5, Ano 8, Julho/Dezembro de 1997 (Com tradução de Melo, G. A. M.; Gonçalves, T. O.; Morales, M. A. C. R. T. ; Miguel, A.)
PONTE, J. P. Concepções dos Professores de Matemática e Processos de Formação. In:_______Educação Matemática: Temas de Investigação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, p. 185 – 239, 1992.