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A POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA: ANÁLISES E REFLEXÕES A PARTIR DE FONTES DOCUMENTAIS
nubia rosetti nascimento

Última alteração: 2017-01-30

Resumo


A POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA: ANÁLISES E REFLEXÕES A PARTIR DE FONTES DOCUMENTAIS

Núbia Rosetti Nascimento Gomes[1]

Universidade Federal do Espírito Santo – Brasil

nrosetti80@hotmail.com

RESUMO

 

Este artigo é parte da pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) sobre as políticas públicas de educação integral no município de Vitória-ES. Tem por objetivo analisar como está ocorrendo a implementação da educação em tempo integral no referido município e entender como essa política pública de inclusão está sendo articulada com outros setores para além da Secretaria de Educação. Procedeu-se ao estudo de documentos oficiais relativos à implementação da educação em tempo integral, cuja perspectiva metodológica é a análise documental. Nas reflexões, recorreu-se aos aportes da Sociologia Figuracional elaborados por Norbert Elias em diálogo com a literatura existente no campo da educação integral. Partindo das análises feitas, concluiu-se que a implementação dessa modalidade de educação tem ocorrido gradativamente, com o envolvimento de vários setores da sociedade, para que, assim, seja possível criar a estrutura necessária ao atendimento às demandas que surgem, diariamente, nestes contextos.

 

Palavras-chaves: Educação integral; políticas públicas; interdependência.

 

Introdução

Este trabalho consiste em parte da pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. A temática principal refere-se à política pública de Educação Integral no município de Vitória e tem por objetivo analisar como está ocorrendo a implementação dessa modalidade de educação no referido município. Justificamos a importância de nosso estudo por considerarmos a educação integral tema relativamente recente nos debates políticos atuais. Para compreender como vem ocorrendo a implementação da educação integral no município de Vitória, realizamos uma pesquisa documental, que descrevemos a seguir.

 

Desenvolvimento:

Em 2004, o município de Vitória iniciou o atendimento na modalidade de Educação Integral no nível da Educação Infantil, mediante interface das Secretarias Municipais de Educação (SEME), Saúde (SEMUS) e Assistência Social (SEMAS). Inicialmente atendia as crianças de 6 meses a 6 anos de idade nos Centros Municipais de Educação Infantil e, desde 2007, ampliou o atendimento às crianças de 4 a 6 anos em espaços denominados “Núcleos Brincartes”, que por sua vez constituíram parceria com organizações não governamentais (ONGs). Ainda em 2007, integrou-se ao programa o atendimento aos alunos do ensino fundamental, também em articulação com as secretarias municipais. Em 2008, o programa de ampliação da jornada escolar expandiu-se para 35 escolas localizadas nas diferentes regiões administrativas do município de Vitória e, em 2009, já contemplava 38 escolas. Desde então, o município vem implementando gradativamente o programa educacional de tempo integral, no intuito de ampliar as oportunidades de aprendizagem dos alunos. Na tabela abaixo, mostra-se a evolução do número de matrículas no programa:

 

Tabela 1 – Evolução do número de matrículas no Programa Educação em Tempo Integral – de 2004 a 2016

Ano

Espaço CMEI

Espaço Brincartes

Total

2004

348

-

348

2005

274

-

274

2006

224

-

224

2007

620

1050

1670

2008

1042

1500

2542

2009

1144

1395

2539

2010

1284

1244

2528

2011

1248

1200

2448

2012

1568

946

2514

2013

1962

232

2285

2014

2267

508

2775

2015

1941

377

2318

2016

1992

375

2367

Fonte: Adaptado pela autora: SEME/ATP Sínteses Anuais e Caracterização Escolar

Elaboração: Gerência de informações Estratégicas – SFGES/PMVA.

 

Em 2015, foram implantadas três escolas municipais de ensino fundamental em tempo integral. Atualmente, das 53 escolas de ensino fundamental do município, 46 desenvolvem atividades de educação integral, das quais 43 possuem a modalidade educação integral com jornada ampliada e 3 escolas municipais de ensino fundamental em tempo integral. Nesse percurso de implementação de uma política pública, fez-se necessária a elaboração de alguns documentos que regulamentassem o programa na rede municipal de ensino. Sendo assim, realizamos uma análise desses documentos para identificar como vem ocorrendo a implementação dessa política. Dada a variedade de documentos identificados, optamos pela escolha de quatro deles, que consideramos ser de significativa relevância para nosso estudo mediante os objetivos propostos, a saber: 1- Programa Educação em Tempo Integral (2010); 2- Decreto n.º 15.071 (2011); 3- Decreto n.º 16.637 (2016); e 4- Diretrizes para a Política de Educação Integral (2016).

 

Compreendemos que a educação integral faz parte de um conjunto de políticas públicas que visam à garantia do direito a uma educação de qualidade, desde a ampliação do tempo e das oportunidades educacionais. Assim, o contexto da elaboração de uma política pública abrange inúmeros aspectos inerentes à realidade em que ela surge. Um dos aspectos relacionados aqui consiste na articulação necessária entre os sujeitos envolvidos nesse processo de elaboração. Em Elias, podemos chamar essa articulação de “interdependência”[2], visto que os indivíduos atuam conjuntamente com o mesmo objetivo. Desse modo, envolve um processo dinâmico em que os vários sujeitos assumem diferentes configurações dentro desse espaço.

 

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação da Educação Nacional (LDB-9394/96), a educação assume um papel em que a qualidade e o direito ao processo de escolarização caminham juntos. Vale ressaltar também que, na LDB-9394/96, a educação integral deve ser ofertada de maneira progressiva, desde o ensino fundamental, conforme estabelece seu art. 86. Desde então, as discussões sobre a implementação da educação integral ganharam visibilidade nos debates sobre o processo de formação dos sujeitos. Nesse sentido, os documentos municipais analisados retratam que a organização dessa política educacional tem ocorrido de forma conjunta e dinâmica, de três maneiras, em diferentes espaços, a saber: a ampliação do tempo de permanência da criança na própria escola[3], a utilização de espaços alternativos[4] (ONGs) para que a criança permaneça no outro turno e as atividades intersetoriais, que são desenvolvidas em parceria com secretarias de esporte, assistência social e secretaria de cultura.

As atividades/oficinas integradoras poderão ser desenvolvidas dentro do espaço escolar, ou fora dele, com destaque para o reconhecimento e valorização do entorno, bem como a utilização de outros equipamentos da cidade (Decreto n.º 16.637, art. 2, parágrafo único, publicado em 14 de março de 2016).

 

Ressaltamos que essas oficinas e atividades integradoras são direcionadas aos alunos do ensino fundamental, cuja ampliação da jornada escolar dos alunos da educação infantil ocorre no interior da própria escola ou nos “Núcleos Brincartes”. Essa configuração retrata a parceria entre as esferas pública e privada para a concretização da política de educação integral. Diante dessas informações, é possível observar que a crescente desresponsabilização governamental no quadro educacional brasileiro tem constituído um aspecto relevante, quando nos referimos às políticas públicas destinadas à escola de tempo integral. Nesse movimento, observamos o aparecimento de distintos formatos de “parcerias público-privadas.[5] Diante desse contexto, vemos uma nova configuração de parcerias que se vão delineando com base na ideia neoliberal de que o Estado seria incapaz de assegurar a política de atendimento do programa de educação em tempo integral. Dessa forma, para viabilizar essa política, a PMV utiliza-se de convênios e parcerias com instituições privadas. Quanto aos critérios para matrícula e permanência dos alunos no referido programa, observamos que o município adota a condição de vulnerabilidade social[6] como prioritária (mas não exclusiva) para a inserção no programa, conforme os decretos a seguir:

As crianças e adolescentes beneficiados pelo Projeto Educação em Tempo Integral deverão ser, prioritariamente, aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social (Decreto n.º 15.071, art. 5.º, publicado em 30/6/11).

 

Serão beneficiários prioritários da modalidade Educação Integral com Jornada Ampliada os estudantes regularmente matriculados e frequentes em situação de vulnerabilidade e risco social, atendidos por programas de transferência de renda e considerando aspectos objetivos de âmbito social, de saúde, exposição às violências e situação escolar descritos em instrumento próprio (Decreto n.º 16.637, art. 3.º, publicado em 14 de março de 2016).

 

Ambos os decretos citam o “Cadúnico[7]” como instrumento de articulação entre as Secretarias de Educação, Assistência Social e Saúde. Assim, por meio desse cadastro, é possível identificar os alunos que estão em situação de vulnerabilidade social e, por isso, possuem maior necessidade de participação no programa de ampliação da jornada escolar.

 

Conclusões

Diante do exposto, observamos que, mesmo com todos os obstáculos que surgem no percurso de implementação de uma política educacional, o município de Vitória tem desenvolvido políticas voltadas para a ampliação do tempo de permanência das crianças na escola, ou seja, políticas voltadas para o atendimento educacional em tempo integral. Essa implementação tem-se dado gradativamente por meio de parcerias entre organizações não governamentais (ONGs). Os critérios estabelecidos para a inserção dos alunos no programa retratam a perspectiva assistencialista que ainda direciona as ações governamentais relacionadas à ampliação do tempo de permanência da criança na escola.

 

Referências

A TRIBUNA. Decreto 15. 071, publicado em 30 de junho de 2011. Vitória, 2011

Ministério da Educação e Cultura.

 

BRASIL. Lei n.º 9.394, de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Brasília, 1996.

 

ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. v. 1. Tradução Ruy Jungmann; Revisão e apresentação, Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

 

VITÓRIA. Prefeitura Municipal. Decreto 16.637, de 14 de março de 2016. Diário Oficial do Município. Vitória, 2016.


[1] Mestranda em Educação na linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e Políticas Educacionais, da Universidade Federal do Espiríto Santo.

[2] Elias usa o conceito de interdependência para explicar que as coisas estão interligadas.

[3] Em algumas escolas, principalmente os Centros Municipais de Educação Infantil, a ampliação da jornada escolar da criança ocorre dentro do próprio espaço escolar.

[4] Os espaços utilizados são denominados “Núcleos Brincartes” e estão distribuídos em diferentes regiões administrativas do município.

[5] As parcerias público-privadas são tratadas com mais detalhes  no percurso do trabalho.

[6] Em nosso trabalho, trazemos a discussão sobre vulnerabilidade social de forma mais detalhada.

[7] O Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) é um instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar todas as famílias de baixa renda existentes no país. Devem ser cadastradas as famílias com renda mensal até meio salário mínimo por pessoa. Fonte: www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2010/03/cadunico. Acesso em: 20 jan. 2017.