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INTER-RELAÇÃO EM CONTEXTOS ESCOLARES INCLUSIVOS
Ziviani carvalho Nascimento Ziviani

Última alteração: 2017-01-31

Resumo


Mariza Carvalho Nascimento Ziviani

Mestre em Educação pelo PPGE/UFES

Professora da rede municipal de Pinheiros E/S

Mariza.cnz@gmail.com

 

Resumo: Analisa as inter-relações do professor de ensino comum e do professor especialista em Educação Especial em um contexto escolar de escolarização de estudantes em situação de deficiência intelectual, considerando a política educacional implementada no município de São Mateus/ES. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, e nos baseamos na pesquisa-ação colaborativo-crítica. Como instrumento de coleta de dados, utilizamos a observação, questionários semiestruturados e a construção de práticas colaborativas no contexto. Sustentamos nossas análises nos pressupostos da sociologia figuracional, elaborada por Norbert Elias. Os resultados evidenciam que as inter-relações tanto das professoras, tanto do ensino comum, quanto à professora especialista encontram-se numa dinâmica em que as ações ocorrem muito mais no âmbito individual, marcado por restritas iniciativas de constituir um movimento de (re) criação de oportunidades para construção de elos e práticas em benefício da escola como inclusiva. Constatamos a ausência de uma organização escolar que permita aos profissionais da escola, momentos que possam discutir para que possivelmente seja construído um espaço que conjugue a coletividade. Reconhecemos ser esse um processo lento e complexo, tanto na figuração da escola, quanto no âmbito municipal, pois exigirá um movimento de “permissão”, em que cada indivíduo entre no jogo, permitindo assim mudar de posição, refazer caminhos, ora recuar, ora avançar, mas envolver-se com o jogo.

 

Palavras-chave: Inter-relação. Interdependência. Colaboração

 

 

INTRODUÇÃO

 

Acreditamos que compreender aspectos históricos da educação relativos ao “papel da escola” nos possibilita situar o momento atual e vislumbrar possíveis rumos e caminhos a seguir. A escola é uma invenção do homem, surgindo e existindo com objetivos demarcados pelos seus inventores, em cada momento do fluxo histórico.

O fenômeno da “explosão escolar”, (posterior à Segunda Guerra Mundial) marcado por um processo de democratização de acesso à escola, assinalando a passagem de uma escola elitista para uma escola de massas, é concebido segundo Canário (2005), como o “tempo de promessa”. “Esse tempo” da escola foi marcado pela euforia e pelo otimismo, com promessa de desenvolvimento, com promessa de mobilidade social e promessa de igualdade. O fundamento desse período referendava a teoria do capital humano. Ainda segundo Canário, “a “explosão escolar”, em especial na década de 1960, correspondeu ao reconhecimento do crescimento dos sistemas educativos como fator econômico de primeira importância”, sendo então estabelecida uma comparação entre o nível de qualificação escolar e o progresso econômico. Dessa maneira, investir em educação correspondia a investir no capital humano.

Do tempo das certezas ou “idade do ouro” (final do século XVIII), em que correspondeu às expectativas da sociedade, ao tempo das promessas (década de 60), em que frustrou as expectativas no atendimento democrático, a escola caminhou rumo ao tempo de incertezas, sendo seu desencanto amplificado durante o último quartel do século xx. Os desencantos pelas promessas conduziram à existência da imprevisão do papel da escola na vida da população. Todo o processo de globalização, com variados processos de transformação, trouxe “[...] como conseqüência uma submissão das políticas estatais [...], com repercussões diretas na compreensão das despesas públicas [...]” (CANÁRIO, 2005, p.82).

Assim, transformações ocorridas incidem no campo educacional. Nesse contexto, “[...] a passagem de um paradigma da qualificação para um paradigma da competência [...]” (CANÁRIO, p.83) trouxe para a escola grandes desafios, e ela não vem conseguindo responder às demandas inúmeras que se configuram em missões impossíveis que lhe são atribuídas. Observando o histórico da escola, verifica-se que o público mudou, sendo atualmente heterogêneo e maior que na escola do passado.

O presente texto emergiu a partir da nossa pesquisa de mestrado1 que teve como objetivo analisar as inter-relações do professor de ensino comum e do professor especialista em Educação Especial em um contexto escolar de escolarização de estudantes em situação de

deficiência intelectual, considerando a política educacional implementada no município de São Mateus/ES. Sustentamos nossas análises nos pressupostos da sociologia figuracional, elaborada por Norbert Elias. O nosso caminho metodológico perpassou pela pesquisa de natureza qualitativa, e nos baseamos na pesquisa-ação colaborativo-crítica. Como instrumento de coleta de dados, utilizamos a observação, questionários semiestruturados e a construção de práticas colaborativas no contexto de uma escola que conta com a matrícula e presença de estudantes em situação de deficiência intelectual.

No cumprimento do propósito deste texto apresentamos, a partir de Elias, alguns aspectos das inter-relações entre os indivíduos, no âmbito escolar inclusivo.

 

DESENVOLVIMENTO

 

Por meio das inter-relações, os homens vão historicamente se civilizando e, nessas próprias relações, vão alterando e/ou ponderando seu comportamento, pois o “homem” está sempre se constituindo. Nesse processo histórico, não há uma sequência de fatos, e sim situações que ora consolidam, ora transformam conhecimentos, conceitos e fazeres humanos. Ainda de acordo com Elias (2011), no estudo dos fenômenos sociais e históricos, o que se deve buscar é o nexo estruturado entre os indivíduos e seus atos, em que os homens singulares não perdem o seu valor pela sua condição de singulares, eles não são tratados como indivíduos isolados, independentes dos demais; muito menos são vistos como sistemas fechados, do mesmo modo que se constituem os eventos histórico.

Segundo o autor, a compreensão sobre o processo civilizador estará sempre em aberto. Para ele, a compreensão sobre a teoria da civilização na perspectiva do que é mais ou menos civilizado numa ou noutra sociedade dependerá da reflexão de muitas pessoas e da “[...] cooperação de diferentes ramos do conhecimento, hoje frequentemente divididos por barreiras, artificiais, para que gradualmente sejam respondidas as questões aqui levantadas” (ELIAS, 2011, p. 18).

Outra questão trazida por essa perspectiva teórica refere-se à noção elisiana de que o comportamento das pessoas poderá ser mais satisfatoriamente entendido, quando vinculado à compreensão das configurações e teias de interdependência de variados tipos, como famílias, escolas, cidades e outros. No prefácio de sua obra o Processo Civilizador em 1968, Elias, citado por Vianna (2005, s.p) afirma que [...] a rede de interdependência entre os seres humanos é o que os liga. Elas formam o nexo do que é aqui chamado configuração, ou seja, uma estrutura de pessoas mutuamente orientadas e dependentes.

Nesse sentido, configura-se a escola, espaço em que as interdependências se tornam cada vez mais explícitas. Os sujeitos, profissionais, cada um em suas diferentes funções, ou seja, em suas individualidades, se socializam e se constituem interdependentemente, objetivando ações que favoreçam a proposta da educação. Essa pluralidade ou junção de pessoas dá-se, em Elias, no que se denomina "figuração". Assim, Elias (2011, p. 70-71) utiliza-se da imagem de uma rede de pesca para apresentar o conceito de figuração:

[...] Uma rede é feita de múltiplos fios ligados entre si. No entanto, nem o conjunto desta rede, nem a forma que cada um dos diferentes fios assume se explicam a partir de apenas um destes fios, nem de todos os diferentes fios em si; eles se explicam unicamente por sua associação, sua relação entre si. [...] a forma de cada fio se modifica quando se modificam a tensão e a estrutura do conjunto da rede. E, no entanto essa rede de pesca não é nada além da reunião de diferentes fios; e ao mesmo tempo, cada fio forma, no interior do toda uma unidade em si; ele ocupa ali um lugar particular e toma uma forma específica.

 

Desta forma, a relação entre o professor do ensino comum e o professor especialista em Educação Especial é uma associação em que, como ocorre com os fios à rede, cada profissional, em sua função, se modifica, podendo, assim, modificar toda a estrutura dos espaços escolares. Cada um seria como um fio que, ao entrelaçar-se aos outros, formaria uma nova estrutura, a rede, que é a junção de diferentes fios, e constituiria a nova configuração, que seria a reunião de diferentes pessoas.

Assim, amparados na obra Os estabelecidos e os outsiders, na qual, trata de uma pesquisa realizada em Winston Parva, nome fictício de uma cidadezinha do interior da Inglaterra, Norbert Elias e John L. Scotson discorrem sobre as relações conflituosas desenvolvidas entre dois grupos residentes na cidade. Entendemos que a experiência já construída em grupo pelos profissionais “estabelecidos” poderá ser compreendida como uma característica “superior”, de modo que os que ocupam funções instituídas recentes nos contextos escolares, os outsirders, parecem ainda necessitar demonstrar as suas habilidades e demais características para serem incluídos ao grupo.

Nossa vivência neste estudo aponta para a urgência da necessidade de avançar nos discursos para as práticas que se fundamentem em relações de dependências e trabalho colaborativos em contextos escolares que desejam se afirmar como inclusivos.

 

 

 

CONCLUSÕES

 

Nossa vivência neste estudo aponta para a urgência da necessidade de avançar nos discursos para as práticas que se fundamentem em relações de dependências e trabalho colaborativos em contextos escolares que desejam se afirmar como inclusivo.

Vale destacar que este estudo nos permitiu compreender que a inter-relação entre a professora especialista e a professora do ensino comum, conforme queríamos analisar, não se dá em um vazio histórico sociológico. Essa inter-relação se concretiza em contexto. Por isso, para analisar a relação entre esses dois profissionais tornou-se fundamental considerar as relações na escola, sem perder de vista a política municipal e, particularmente, a forma como essa política se concretizava na escola por meio do serviço de apoio.

REFERÊNCIAS

 

CANÁRIO, Rui. O que é a escola? Um “olhar” sociológico. Porto: Porto Editora, ltda.- 2005

 

ELIAS, Norbert. A Sociedade dos indivíduos. Organizado por Michael Schoter; tradução: Vera Ribeiro; revisão técnica e notas Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994.

 

______. O Processo civilizador, volume I: uma história dos costumes. Tradução de Ruy Jungmann; Revisão e Apresentação: Renato Janine Ribeiro. – 2.ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

 

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

 

JESUS, D. M. O que impulsiona a pensar a pesquisa-ação colaborativo-crítica como possibilidade de instituição de práticas educacionais mais inclusivas? In: BATISTA. CR; CAIADO, K.R.M.; JESUS, D. M de. (org.). Educação Especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Editora mediação, 2008.

 

JESUS, VIEIRA, EFFGEN, Pesquisa-Ação colaborativo-crítica: em busca de uma epistemologia, Educação e Realidade, Porto Alegre, v.39, n.3, 2014

 

 

SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2007a.

 

VIANNA, Alexander Martins. A Atualidade Teórica de Norbert Elias para as Ciências Sociais. Revista Espaço Acadêmico, nº 49, 2005.

 

1Esta pesquisa está vinculada ao projeto de pesquisa “Políticas de acesso e de permanência de pessoas com deficiência no ensino comum: um estudo comparado de sistemas educativos brasileiros e mexicanos”, financiado pelo CNPq, e coordenado pelos professores: Dr. Reginaldo Celio Sobrinho, Dr. Edson Pantaleão e Drª Maria das Graças Carvalho Silva de Sá, membros do grupo de pesquisa: “Educação Especial: formação de profissionais, práticas pedagógicas e políticas e inclusão escolar”.